Quando o aluno cego ensina o professor a enxergar
por Marina Yonashiro
Gustavo Estevam Arantes Gonçalves pode ser um estudante do ensino médio de 16 anos, mas já ensinou muito a muita gente, inclusive aos seus próprios professores. Talvez você não acreditasse nisso se o visse andando, apressado e ansioso, pelos corredores da Biblioteca Louis Braille, com uniforme escolar e impaciente com sua avó, que o mandava andar mais devagar. Seu jeito moleque não carrega nenhuma das dificuldades que ele enfrenta no colégio.
Desde que Gustavo perdeu totalmente a visão, por volta dos 11 anos, devido a um glaucoma congênito, o braille sempre esteve presente nos seus livros didáticos. No ensino fundamental, quando estudava no Instituto de Cegos Padre Chico, isso nunca foi um problema; tanto os livros como seus cadernos eram todos em braille. No entanto, na nova escola, as pessoas mal sabiam o que era aquele sistema de leitura e escrita.
Então, ele teve que dar seu jeito para estudar: a família comprava os livros em tinta e os lia para ele. Um relato que faz arrepiar os cabelos de qualquer entusiasta da inclusão. Além disso, Gustavo enfrentou problemas com provas e trabalhos escolares, e teve de ensinar a professores e coordenadores o bê-a-bá da educação inclusiva.
Na Reatech de 2017, a maior feira de acessibilidade da América Latina, Gustavo conheceu muita gente que entende a fundo de acessibilidade. Entre elas, uma pessoa que viria a ser sua professora particular de inglês. Sua nova amiga se revoltou com a situação e entrou em contato com a editora para ter os livros em PDF. Ela sabia que essa não era a maneira ideal de ter um livro acessível, mas era muito melhor do que depender de outra pessoa para ler.
Gustavo admite que prefere estudar com o braille, porque “sem ele é como se uma pessoa ficasse falando e você tentasse imaginar, imaginar…”, mas também pondera: “uma coisa que o inviabiliza muito é a demora para ser feito”.
Essa demora, porém, não existe na linha braille, ferramenta que ele atualmente usa para aprender inglês. Suas aulas acontecem no Centro Cultural São Paulo, na Biblioteca Louis Braille, onde os frequentadores podem utilizar uma linha braille Focus Blue 40.
“Eu aprendo muito mais com o conteúdo em braille na minha mão do que qualquer coisa”, ele me conta enquanto conversamos na biblioteca, a linha braille à sua frente na mesa. Sua professora leva os textos em um iPod Touch e ela conecta o equipamento no seu dispositivo via Bluetooth. Na aula daquele dia, mesmo precisando estar, em tese, concentrado, ele não deixava escapar comentários brincalhões como: “o nome da menina é Stephanie? Que feio!”.
Na hora de escrever as respostas no teclado Perkins da linha braille, a professora teve dificuldade de conter a ansiedade de seu aluno em apertar os botões até chegar no local correto: “não é esse que você tem que apertar, é do lado direito, lembra?”, guiava ela enquanto Gustavo procurava o botão de navegação certo, apertando todos eles, se divertindo enquanto percebia o braille do equipamento mudar.
Quando Gustavo escreve a resposta no teclado perkins da linha braille, sua professora pode acompanhar simultaneamente o mesmo texto na tela do iPod.
Infelizmente, muitos professores e diretores de instituições de ensino ainda não conhecem os recursos disponíveis para uma educação inclusiva. As aulas de inglês que o Gustavo tem são provas de que a tecnologia derruba barreiras, basta conhecê-las.
E, afinal, por que tanto esforço para estudar? O que alguns veem como obrigação, Gustavo vê como uma forma de transformar sua vida: “quero mostrar para o mundo que só porque eu enxergo tudo preto não significa que minha mente nem minhas capacidades são reduzidas. Se não vier de mim a vontade de querer me superar, eu nunca vou crescer na vida, independente da ajuda que eu tiver”.